Aos meus ouvidos soava uma música francesa levada até mim pelo vento suave que também desalinhava os meus cabelos. Nada entender do idioma que embalava a canção não fazia a menor diferença, pois o som da melodia foi suficiente para conduzir-me à França, que só conheço de nome e dos estudos de história e geografia. O lugar era francês e tão logo me senti uma elegante francesa trajada de maneira muito simples a se deliciar com sua bebida quente num desses cafés parisienses.
Um casal de idosos estava sentado à minha frente acompanhado de um homem e uma mulher, já adultos, que dispensavam os mais carinhosos cuidados e atenção aos pais velhinhos. Não demorou muito para que o senhor levantasse e passasse a caminhar de um lado para o outro, observando o esverdeado da paisagem, os detalhes avistados e os objetos decorativos que davam ao ambiente ares de leveza e sofisticação. Uma certa tranquilidade saltava naqueles olhos grudados ao rosto, cujas expressões o tempo não alivia e no qual fixa seus registros de puro cansaço. A quietude estampada na imagem de quem há muito entendeu não haver outro modo de ser senão sereno.
Bonjour – disse ao me defrontar. Respondi o cumprimento e, com um leve sorriso, desviei os olhos para o livro que tinha em mãos. Passado alguns segundos, levantei a cabeça e fitei o homem de passos vagarosos que já estava há alguns metros de mim. Passos firmes, cautelosos, totalmente desprovidos daquela pressa característica do meu andar diário, o qual busca não sei bem o quê. Ele caminhava enquanto meu olhar fixo o acompanhava. Que teria ocorrido em sua vida para afastá-lo tanto da minha ânsia e voracidade ? Que terei de viver para conseguir andar ao seu lado sem que o ultrapasse? O que fazer para alcançá-lo e junto à sua mansidão encontrar uma espécie de paz?
Bonjour, senhor! – disse baixinho.
A mulher de cabelos brancos despediu-se da filha e foi ao encontro desse senhor, com muita calma, apoiando-se nos objetos à vista. Ao segurar na cadeira próxima a mim, respirou um pouco e me fitou: Good morning, princess. Nessa hora, fui transportada para os castelos ingleses e me tornei uma pessoa cuja principal espera é tornar-se rainha a usufruir do amparo e das benesses reais.
Ah minha filha, estou me apoiando nos objetos, porque tenho medo de cair, afinal sou uma velhinha de 89 anos – falou olhando nos meus olhos.
Ah minha senhora, também tenho muito medo de cair e me apoio em tudo o que encontro pela frente. Digo mais: só tenho 32 anos. Caso isso não te sirva de consolo para que continue a usar suas muletas reais ou imaginárias, sem justificar-se pela idade, que ao menos sirva de lição para mim, cuja pretensão fingida quer fazer acreditar ser possível chegar ao fim da vida ancorada apenas nos próprios pés.